
Cabo Verde agricultura
Solo Agrícola Restrito em Cabo Verde
Cabo Verde enfrenta sérias limitações em relação à área cultivável, impostas por sua geografia insular, topografia montanhosa e condições climáticas adversas. Apenas cerca de 12,41% do território nacional é considerado solo arável, conforme dados do Banco Mundial para 2022, o que representa uma ligeira melhoria em relação aos 10% estimados em 2020 pela ARAa (Associação Regional de Agricultura e Ambiente). Em termos absolutos, isso corresponde a aproximadamente 50.000 hectares de terra arável em 2021, enquanto a área agrícola total atinge 79.000 hectares, equivalendo a 19,6% da superfície terrestre do país. Esses números refletem a escassez de recursos hídricos e solos férteis, agravados pela aridez semi-desértica que afeta 90% do arquipélago.
A agricultura, que emprega cerca de 20% da força de trabalho ativa, contribui com apenas 2-3% do PIB nacional em 2023, destacando sua importância social em detrimento da econômica. Ademais, a baixa produtividade — influenciada por secas prolongadas e solos pobres em nutrientes — impede que o setor supra mais de 20% das necessidades alimentares internas, tornando o país altamente dependente de importações, que representam cerca de 80% dos cereais, frutas, vegetais e outros produtos essenciais consumidos anualmente.
Em 2024, essa dependência foi estimada em 75% do consumo total de alimentos, com importações de alimentos avaliadas em mais de 200 milhões de euros, segundo o Portal de Comércio Internacional. Essa vulnerabilidade é exacerbada pela inflação global de commodities, que elevou os custos de importação em 15% entre 2022 e 2023, impactando especialmente a segurança alimentar em um país com 600 mil habitantes.
Erosão do Solo e Desertificação
A erosão do solo constitui um dos maiores desafios ambientais em Cabo Verde, impulsionada por práticas agrícolas inadequadas, sobrepastoreio, desmatamento e chuvas intensas e irregulares — eventos que, embora esporádicos, removem camadas superficiais de solo fértil de forma acelerada.
Estudos da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD) indicam uma perda anual superior a 4.000 toneladas de solo por quilômetro quadrado em bacias hidrográficas agrícolas, com taxas que podem atingir 20-30 toneladas por hectare em áreas inclinadas de Santiago e Santo Antão. Essa degradação é agravada pela desertificação, que afeta mais de 70% das terras áridas e semiáridas do país, conforme relatório da FAO de 2023.
Nas ilhas planas e arenosas, como Sal, Boa Vista e Maio, observa-se o desaparecimento quase total da cobertura vegetal, com uma redução de 15% na vegetação nativa entre 2010 e 2020 devido à salinização e ventos fortes.
Em 2025, uma pesquisa da Afrobarometer revelou que 78% dos cabo-verdianos consideram a poluição e a degradação do solo como problemas "muito sérios" ou "alguma sérios" em suas comunidades, refletindo o impacto socioeconômico: a perda de produtividade agrícola pode custar até 5% do PIB rural anualmente, segundo estimativas do Banco Africano de Desenvolvimento (AfDB) para 2023. Além disso, as mudanças climáticas intensificam esses processos, com projeções do IPCC indicando um aumento de 20-30% na frequência de secas extremas até 2050, acelerando a desertificação em 40% das terras cultiváveis.
Diferenças entre as Ilhas
As condições agroecológicas em Cabo Verde variam drasticamente entre as dez ilhas, influenciando a distribuição da produção agrícola, a vulnerabilidade à desertificação e as estratégias de adaptação. As ilhas do Barlavento (norte) e Sotavento (sul) apresentam contrastes marcantes devido a diferenças em precipitação, topografia e solos.
- Ilhas como Santiago e Santo Antão: Essas ilhas concentram a maior parte da atividade agrícola, com Santiago representando 52,5% da área cultivada total (cerca de 41.000 hectares) e Santo Antão 16% (aproximadamente 12.600 hectares), segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e FAO de 2022. Solos vulcânicos mais férteis e vales irrigados favorecem a produção de milho, feijão, batata-doce e frutas como banana e papaia, com uma colheita anual de frutas atingindo 8.600 toneladas em 2023 — um crescimento de 10% em relação a 2020. Santiago, em particular, produz mais de 60% do milho nacional (cerca de 5.000 toneladas/ano), beneficiando-se de projetos de irrigação que elevaram a produtividade em 25% desde 2018.
- Ilhas como Sal, Boa Vista e Maio: Nessas ilhas áridas do Barlavento, os solos arenosos e o clima hiperseco (chuvas <100 mm/ano) limitam a agricultura a menos de 5% da área total, com foco em pastagens extensivas e cultivos resistentes como sorgo e caprinos. A produção de biomassa é baixa, inferior a 2 kg/m³, comparada aos mais de 3 kg/m³ em Santiago e Santo Antão. Aqui, a desertificação avança a uma taxa de 2-3% ao ano, afetando 80% das terras, e a agricultura depende quase inteiramente de importações de forragem, com colheitas anuais abaixo de 500 toneladas de cereais.
Outras ilhas, como São Vicente e Fogo, ocupam posições intermediárias: São Vicente foca em horticultura periurbana (produção de vegetais em 1.200 hectares), enquanto Fogo destaca-se na viticultura, com 300 hectares de vinhas que geram 1.500 toneladas de uvas por ano. Essas disparidades regionais contribuem para assimetrias econômicas, com o Sul (Sotavento) respondendo por 70% da produção nacional, mas enfrentando maior risco de erosão devido a declives acentuados.
Iniciativas para Combater a Degradação do Solo
Desde as décadas de 1940 e 1950, Cabo Verde tem implementado uma série de infraestruturas para combater a desertificação, com ênfase na conservação integrada de solo e água. Práticas tradicionais como terraços, muros de contenção e plantio de barreiras vegetais (ex.: eucaliptos e acacias) foram modernizadas, cobrindo mais de 20.000 hectares em bacias como Ribeira Seca, reduzindo a erosão em até 50% nas áreas intervencionadas, conforme estudos da UNCCD. O Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento Agrário (INIDA) coordena esses esforços, produzindo mapas de erosão que guiam intervenções em 15% das terras degradadas.
Em anos recentes, iniciativas ganharam impulso com apoio internacional. Em 2024, a FAO lançou o programa "Hand-in-Hand" em Cabo Verde, investindo 10 milhões de euros em técnicas de agricultura climática-inteligente, como irrigação gota-a-gota e recuperação de solos com composto orgânico, beneficiando 5.000 agricultores e restaurando 2.000 hectares em Santiago e Santo Antão. O Banco Mundial, por meio do relatório "Ambitious Climate Action" de 2025, alocou 50 milhões de dólares para projetos de reflorestamento e contenção de encostas, visando neutralizar a degradação em 30% das áreas vulneráveis até 2030. Ademais, a participação na 16ª Conferência da UNCCD em dezembro de 2024 resultou em compromissos para monitorar a desertificação via satélite, com metas de aumentar a cobertura vegetal em 10% nas ilhas áridas até 2027. Esses programas, combinados com educação comunitária, elevaram a resiliência rural, reduzindo a migração forçada por degradação em 15% desde 2020, e promovem a diversificação para agroecoturismo e produtos orgânicos exportáveis.
Politicas do Governo
O Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável 2022-2026 (PEDS II) operacionaliza o Programa do Governo, é o instrumento do Estado para impulsionar mudanças e acelerar o progresso
Transformação Agrícola em Cabo Verde: Rumo à Resiliência e Competitividade
A agricultura de Cabo Verde, embora seja a principal empregadora do arquipélago, enfrenta desafios estruturais severos, nomeadamente a escassez crónica de água e a vulnerabilidade acentuada às alterações climáticas. A ação governativa recente foi marcada e condicionada por três anos consecutivos de seca severa, obrigando o país a priorizar a resiliência sobre a produção. Contudo, essa emergência resultou em investimentos estratégicos que definem o futuro do setor.
O Pilar da Água: Tecnologias e Governança Renovadas
Reconhecendo que a água é o principal fator limitante, a estratégia de transformação agrícola foca-se no reforço do nexo água-energia renovável. Foi implementada uma política para diversificar as fontes de água e, crucialmente, reduzir os custos de mobilização através da energia fotovoltaica.
Para gerir este recurso de forma mais eficiente, foi criada a empresa Água de Rega, cuja missão é gerir a água destinada à irrigação (superficial, subterrânea, dessalinizada e residual tratada). A meta imediata é a massificação da dessalinização de água salobra e a reutilização de águas residuais tratadas, com a instalação de mais 20 sistemas, financiados em parte por uma linha de crédito de 35 milhões de euros. Além disso, a cobertura da irrigação gota-a-gota foi massificada, abrangendo já cerca de 41% da superfície irrigada.
Transição para um Modelo de Agricultura Moderna e Empresarial
A agricultura cabo-verdiana precisa de sair do modelo de subsistência e evoluir para um setor moderno, competitivo e rentável, capaz de atrair o investimento privado e gerar empregos de qualidade para os jovens.
O Governo vai promover a empresarialização através de um pacote estruturado de incentivos, que abrange financiamento, benefícios fiscais, assistência técnica e formação. O objetivo é apoiar a transição de unidades familiares para cooperativas de produção ou empresas tecnologicamente modernas e ambientalmente sustentáveis.
Integração Estratégica com o Setor Turístico
Um dos maiores potenciais de crescimento reside na ligação direta ao setor turístico. O Governo está ciente de que existe um mercado significativo para a produção local de legumes, tubérculos, frutas tropicais e produtos de pecuária industrial (como carnes e ovos).
Para fechar o ciclo entre o campo e o mercado, será operacionalizada uma empresa mista (parceria público-privada) para gerir a logística e a comercialização dos produtos agrícolas. Esta medida visa criar valor agregado em toda a cadeia, reduzir a dependência das importações e garantir que o turismo contribui diretamente para a economia rural e a segurança alimentar.
Inovação, Qualificação e Sustentabilidade
A agenda de modernização inclui a aposta na agricultura digital e de precisão, que recorre a técnicas avançadas para aumentar a produtividade e os rendimentos. Para apoiar esta transição, será implementado um sistema de assistência técnica por contrato, onde técnicos qualificados (agronomia, veterinária) prestarão serviços aos agricultores com comparticipação do Estado.
Por fim, o investimento em investigação e desenvolvimento será reforçado para promover práticas de produção que minimizem os impactos das alterações climáticas, garantindo a sustentabilidade a longo prazo do sistema agro-silvo-pastoril.