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Ilha da Boa Vista: Análise de Estrutura de Mercado e Risco-Retorno no Setor Hoteleiro


Por Mark S.- CaboVerdeExpert

Enquanto a narrativa promocional vende a Boa Vista como um paraíso de "dunas e mar", a análise de capital revela uma estrutura de mercado oligopolista, altamente concentrada e verticalizada. Para o investidor institucional ou privado, a Boa Vista não deve ser lida apenas como um destino turístico, mas como um ativo de alto rendimento operacional, contudo, exposto a riscos sistémicos significativos de infraestrutura e dependência de operadores externos.

Abaixo, apresento a dissecção do mercado hoteleiro da ilha, focando na segmentação, capacidade instalada e KPIs operacionais.


1. Segmentação de Mercado: A Hegemonia do "All-Inclusive"

A estrutura de mercado da Boa Vista é caracterizada por uma dicotomia severa entre o modelo de Resort All-Inclusive (AI) de grande escala e o Alojamento Local de pequena escala. Não existe um mercado intermédio robusto.

  • Domínio dos Grandes Operadores (Oligopólio): O mercado é dominado por um número reduzido de cadeias internacionais e Operadores Turísticos Internacionais (ITOs). Dados indicam que cerca de 90% da capacidade de alojamento em Cabo Verde está concentrada nas ilhas do Sal e Boa Vista, controlada por três ou quatro grupos globais.
    • Concentração de Ativos: Um único grupo internacional controla aproximadamente 73% de todos os quartos na Boa Vista. Este modelo de negócio é baseado em economias de escala, onde a integração vertical permite que os operadores controlem desde o transporte aéreo (charters) até ao alojamento.
    • Cadeia de Abastecimento: A cadeia de abastecimento é verticalizada e apresenta baixa permeabilidade para a economia local. Cerca de 80% dos alimentos e bebidas consumidos nestes resorts são importados, devido a questões de escala, preço e certificação, limitando o efeito multiplicador na economia local,.
  • Alojamento Local e Boutique: Em contraste, o segmento de alojamento local (pensões, residenciais) opera com margens comprimidas devido aos elevados custos operacionais (água e energia) e dificuldades de acesso ao mercado global, dependendo de turistas independentes que representam uma fatia menor da procura,.

2. Capacidade Instalada e Pipeline de Investimento


A oferta da Boa Vista é caraterizada por "menos unidades, maior escala". Embora a ilha de Santo Antão tenha um maior número de estabelecimentos (79 unidades, maioritariamente pequenas), a Boa Vista (com cerca de 30 unidades) lidera, juntamente com o Sal, em termos de capacidade real (número de quartos e camas),.

  • Volume de Ativos: A ilha detém cerca de 21% da capacidade total de camas do país,. Em 2024, a oferta de camas na ilha aumentou em 607 unidades face ao ano anterior, reforçando a tendência de expansão de capacidade.
  • Pipeline e CAPEX: O perfil de investimento continua a favorecer grandes projetos de capital intensivo. O projeto "Robinson Boa Vista" (Grupo TUI) exemplifica esta tendência: um investimento estimado em 83 milhões de euros para um hotel de 4 estrelas superior com 322 quartos e 736 camas,,. Este movimento sinaliza uma confiança contínua do capital estrangeiro no modelo de massa, apesar das tentativas governamentais de diversificação.
  • Risco de Saturação: O planeamento territorial prevê uma capacidade máxima teórica elevada (mais de 40.000 quartos em Zonas de Desenvolvimento Turístico Integral - ZDTIs), o que levanta questões sobre a sustentabilidade infraestrutural (água, saneamento) para suportar tal volume,.

3. Taxas de Ocupação e Performance Operacional


Se a concentração é um risco, a performance operacional é o atrativo. A Boa Vista apresenta consistentemente os melhores indicadores de eficiência de ocupação do arquipélago, superando frequentemente a ilha do Sal.

  • Liderança na Ocupação: Em 2024, a Boa Vista registou uma taxa de ocupação-cama de 91%, um valor excecionalmente alto para a indústria hoteleira, comparado com 62% no Sal. Mesmo em anos anteriores (2021), a ilha manteve a liderança com 63% de ocupação, contra uma média nacional de 27%.
  • Estadia Média: A ilha beneficia de uma estadia média superior à média nacional, impulsionada pelo modelo de pacotes de férias de 1 a 2 semanas. Turistas do Reino Unido (o principal mercado emissor) apresentam uma estadia média de cerca de 8,5 noites,.
  • Resiliência da Procura: A procura recuperou fortemente no pós-pandemia. No primeiro trimestre de 2025, a ilha manteve-se como o segundo principal destino, absorvendo 21,6% das entradas e 32,7% das dormidas totais do país.

4. Análise de Risco Estrutural (Fatores de Custo e Governança)


Para o investidor, o "yield" elevado da Boa Vista vem acompanhado de riscos operacionais (OpEx) e de reputação que não podem ser ignorados:

  • Custo de Utilities: A ilha depende inteiramente da dessalinização para água potável, um processo energívoro. A empresa Águas e Energia de Boavista (AEB) detém o monopólio, e os custos de energia e água são significativamente elevados, pressionando as margens operacionais, especialmente para operadores que não possuem escala para negociar ou instalar sistemas próprios,.
  • Risco Social e Laboral: O crescimento do parque hoteleiro não foi acompanhado por investimento proporcional em habitação para a força de trabalho. O défice habitacional (exemplificado pelo Bairro da Boa Esperança) cria tensões sociais e riscos de saúde pública que podem afetar a reputação do destino e a estabilidade da força de trabalho,. A escassez de mão-de-obra qualificada e a rotação de pessoal devido ao custo de vida são desafios constantes para a gestão hoteleira.
  • Dependência de Operadores: A dependência excessiva de poucos operadores turísticos (como a TUI) concede a estes atores um poder desproporcional na negociação de preços, comprimindo as margens dos hotéis e limitando a autonomia do destino.


Veredito: 

O mercado hoteleiro da Boa Vista é um ativo "Blue Chip" dentro do contexto dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS), oferecendo taxas de ocupação invejáveis. No entanto, o modelo de negócio é rígido, com barreiras à entrada elevadas para novos players que não se integrem nas grandes cadeias de distribuição global. O risco de investimento reside menos na procura (que é robusta) e mais nos custos operacionais e na sustentabilidade da infraestrutura de suporte.

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