
Cabo Verde Desafios e Vulnerabilidades
Desafios Recentes e Vulnerabilidades
2.1 Estagnação Económica Pré-2016
2.1.1 Baixo crescimento e limitações estruturais
Antes de 2016, Cabo Verde vivia um período de crescimento económico bastante modesto. Em 2015, o crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) ficou em cerca de 1,5%, ligeiramente abaixo do observado em 2014 (~1,9%) e muito aquém das necessidades de criação de emprego e melhoria dos níveis de vida.
As limitações estruturais eram várias:
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Dependência de importações para consumo básico e insumos industriais.
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Setores produtivos internos pouco diversificados, com fraca ligação entre investimento estrangeiro, turismo e cadeia agrícola ou indústria local.
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Infraestruturas de transporte, armazenamento ou acesso à água deficitárias, especialmente nas ilhas mais secas, o que limita produtividade agrícola e aumenta custos de logística.
2.1.2 Dependência do turismo e remessas
O turismo já era um dos pilares da economia cabo-verdiana, representando uma fatia importante do PIB, emprego formal e divisas externas. Entretanto, essa dependência traz vulnerabilidade: flutuações externas (como crises económicas nos países emissores, variações cambiais, ou choques de saúde global) afetam diretamente a economia.
As remessas da diáspora também contribuíam de modo essencial para a estabilidade económica das famílias, mas não eram suficientes para compensar choques mais graves. Em períodos de crise internacional, as remessas podem recuar ou ficar sujeitas a atrasos, o que expõe ainda mais a população menos favorecida.
2.1.3 Fragilidades do setor produtivo interno
Apesar de existir agricultura, pesca, produção local, muitos destes setores enfrentavam problemas como:
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Escassez ou má gestão de água, solos desgastados, irregularidade pluviométrica.
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Limitado acesso a tecnologia, crédito, mercados e cadeias de valor que permitissem processar produtos agrícolas localmente ou aumentar sua qualidade.
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Elevados custos de energia e de transporte interno entre ilhas.
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Problemas de escala: muitas explorações agrícolas são pequenas, com pouco acesso a mecanização ou melhorias de produtividade.
2.2 Secas e Mudanças Climáticas
2.2.1 Três anos de secas severas: impacto na agricultura e sociedade
Cabo Verde sofreu recentemente (período imediatamente antes e durante os anos 2010-2015) secas severas, algumas das piores em décadas. Essas secas causaram:
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Quebras de colheitas agrícolas fundamentais (milho, feijão, sorgo) e perda de rendimento para agricultores familiares.
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Redução da disponibilidade de água potável em algumas ilhas, forçando investimentos emergenciais e transporte de água.
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Efeitos sociais: migração interna, insegurança alimentar, impacto na saúde, aumento de custos básicos para famílias rurais.
2.2.2 Gestão da água e dessalinização
Como resposta, algumas políticas e projetos começaram a focalizar a gestão hídrica:
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Perfurações (furos) para captar lençóis freáticos onde possível.
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Projetos de dessalinização em algumas ilhas que enfrentam grandes limitações de água doce.
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Aumento do armazenamento de água (cisternas, barragens, reservatórios pequenos) para garantir fornecimento nas épocas secas.
2.2.3 Energias renováveis e rega gota-a-gota como soluções
Para mitigar o efeito das secas e reduzir os custos do uso de combustíveis fósseis:
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Uso crescente de energias renováveis (solar, eólica) para bombear água, operar sistemas de dessalinização ou bombear água para irrigação.
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Sistemas de rega gota-a-gota mais eficientes em água comparadas às práticas tradicionais de rega superficial, reduzindo desperdício.
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Integração dessas tecnologias em pequenos projetos agrícolas familiares, embora ainda limitados pelo acesso ao crédito, ao conhecimento técnico e manutenção.
2.3 Impacto da COVID-19
2.3.1 Colapso do turismo e recessão de ~14%
Em 2020, a pandemia teve um efeito devastador sobre o turismo em Cabo Verde. O setor ficou parado por cerca de nove meses, ou com fortes restrições, o que levou a uma queda abrupta de receitas turísticas. O PIB sofreu uma contração estimada de 14,8% no ano. worldbank.org+1
Isso também provocou efeitos em setores conexos ao turismo: transporte aéreo e marítimo, hospedagem, restauração, comércio local, etc. worldbank.org+1
2.3.2 Desemprego, pobreza e desigualdades ampliadas
Os efeitos no emprego foram duplos: perda de postos de trabalho formal e uma grande pressão no emprego informal. Algum dados:
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A taxa de desemprego geral era cerca de 11,3% no fim de 2019, mas há projeções de que subisse muito para perto de 19-20% em 2020 devido à crise. African Development Bank Group+2macaubusiness.com+2
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Para jovens, o impacto foi ainda maior – taxas de desemprego jovens já eram altas, e a crise agravou muito essa situação. African Development Bank Group+1
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A pobreza, que vinha recuando, foi revertida temporariamente. Projeções apontam para aumento nas taxas de pobreza nacional e extrema pobreza em 2020, com impacto forte em domicílios que dependem do turismo, trabalho informal ou remessas que caíram. openknowledge.worldbank.org+1
2.3.3 Respostas de emergência: lay-off simplificado, linhas de crédito, rendimento social de inclusão
Para mitigar os efeitos socioeconómicos:
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O governo implementou regimes de lay-off simplificado, permitindo que empresas suspendessem contratos ou reduzissem temporariamente a atividade, com parte da remuneração suportada por fundos públicos ou seguro social. World Bank+1
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Linhas de crédito para empresas afetadas, especialmente PMEs no setor de turismo e serviços conexos.
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Transferências sociais emergenciais (rendimento social de inclusão ou programas similares) para famílias mais vulneráveis, especialmente aquelas chefias femininas ou em áreas mais afetadas pela perda de rendimento. worldbank.org+1
2.4 Interações entre Vulnerabilidades
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Como a dependência do turismo e remessas agrava outros choques: quando o turismo cai, o desemprego sobe; quando as remessas diminuem, famílias têm menos margem para absorver choques climáticos.
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As secas e mudança climática interagem com desigualdades regionais e de género: ilhas mais secas, ruralidade, mulheres e jovens são mais afetados.
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Débil diversificação económica e estrutura produtiva limitada tornam o país menos apto para absorver choques múltiplos simultâneos (clima + saúde + crise externa).
Resumo
Este capítulo evidencia que Cabo Verde, apesar de estabilidade política e algumas políticas públicas, entrou na década de 2010 com fragilidades profundas: estrutura económica pouco diversificada, fortes dependências externas, recursos naturais limitados, e exposições climáticas sérias. O choque da COVID-19 funcionou como uma espécie de catalisador para mostrar o quanto essas vulnerabilidades ainda estavam presentes, e para tornar imperativas reformas e estratégias de resiliência. Os capítulos seguintes analisarão como essas lacunas foram enfrentadas entre 2016-2019, e que políticas estratégicas futuras são necessárias para evitar que choques semelhantes voltem a provocar rupturas profundas.