
Ilha Santiago - fauna - flora - biodiversidade
FAUNA
Biodiversidade Insular e os Desafios
A Ilha de Santiago, a maior e mais populosa do arquipélago de Cabo Verde, representa simultaneamente o centro administrativo e económico do país e um laboratório natural de biodiversidade. A insularidade proporcionou condições para a evolução de espécies únicas, mas a mesma geografia que isolou e protegeu estes ecossistemas torna-os particularmente sensíveis às transformações rápidas. Conciliar o desenvolvimento económico e social com a preservação deste património natural constitui um dos principais desafios contemporâneos da ilha.
A Avifauna: Entre a Singularidade e a Vulnerabilidade
A diversidade ornitológica de Santiago destaca-se no contexto do arquipélago, incluindo espécies que não existem em nenhum outro lugar do planeta. O caso da Garça-vermelha de Cabo Verde (Ardea purpurea bournei), ou Garça de Bourne, ilustra bem esta fragilidade: endémica exclusivamente de Santiago, com uma população estimada em apenas cerca de 40 indivíduos concentrados principalmente na localidade de Liberão, no vale da Ribeira Montanha, esta subespécie exemplifica a tensão entre raridade biológica e pressão territorial.
Outras espécies notáveis incluem a Tchota-de-cana (Acrocephalus brevipennis), o Búteo de Cabo Verde (Buteo bannermani) e corujas endémicas (Tyto alba detorta) presentes na Serra da Malagueta. Estas zonas de altitude funcionam como refúgios ecológicos que, apesar de representarem uma pequena fração do território, desempenham um papel desproporcionalmente importante na manutenção da biodiversidade.
O planeamento territorial enfrenta aqui um dilema complexo: como garantir espaço para o crescimento urbano, a agricultura e as infraestruturas, mantendo simultaneamente os ecossistemas florestais e zonas húmidas essenciais para estas espécies?
Os répteis de Santiago : Adaptações Locais e Pressões Externas
Os répteis de Santiago testemunham os processos de especiação em ambiente insular. Espécies como a Osga de Darwin (Tarentola darwini), comum em toda a ilha, e os lagartos Chioninia vaillantii e Chioninia spinalis santiagoensis representam adaptações únicas a este território.
Contudo, a introdução de espécies exóticas - intencional ou acidental - coloca questões difíceis. Gatos (Felis catus) e ratazanas (Rattus spp.) estabeleceram-se na ilha, assim como répteis invasores como o Hemidactylus angulatus e o Agama agama, este último já com populações reprodutoras. Estas espécies competem por recursos com as espécies nativas e, em alguns casos, predam-nas diretamente.
A gestão destas populações invasoras, particularmente em áreas sensíveis, levanta questões sobre prioridades e recursos: como equilibrar os custos económicos do controlo de espécies invasoras com os benefícios ecológicos a longo prazo? Que papel podem ter comunidades locais nesta monitorização?
O Ecossistema Marinho: Recurso e Património
A biodiversidade marinha de Santiago apresenta tanto oportunidades económicas como responsabilidades de conservação. A ilha possui características notáveis: o único prado de ervas marinhas conhecido em Cabo Verde (Baía de Angra), o coral-sol endémico (Atlantia caboverdiana), e espécies como a garoupa (Cephalopholis taeniops), cuja distribuição se restringe à costa da África Ocidental.
As tartarugas marinhas (Caretta caretta) que nidificam em praias como Tarrafal e São Francisco representam bem este equilíbrio delicado. Embora a captura de tartarugas seja legalmente proibida, as pressões continuam: poluição luminosa de infraestruturas costeiras, circulação de veículos nas dunas, predação de ninhos por animais domésticos. Estas ameaças refletem padrões mais amplos de uso do litoral que geram benefícios económicos imediatos mas custos ecológicos duradouros.
Como podem as comunidades costeiras beneficiar do turismo mantendo a integridade dos habitats de nidificação? Que modelos de gestão costeira permitem compatibilizar diferentes usos do espaço?
Caminhos Possíveis
A fauna de Santiago enfrenta pressões múltiplas: fragmentação de habitats pela expansão agrícola e urbana, espécies invasoras, alterações climáticas que intensificam a aridez. Estas não são questões puramente técnicas ou ambientais - envolvem escolhas sobre modelos de desenvolvimento, distribuição de recursos e visões de futuro.
Algumas abordagens podem oferecer pontes entre conservação e desenvolvimento. O turismo de natureza, centrado na observação de aves e caminhadas em áreas como a Serra da Malagueta, pode gerar receitas que apoiem a conservação, desde que cuidadosamente gerido. A integração de considerações ecológicas no planeamento territorial pode identificar soluções que sirvam múltiplos objectivos. O envolvimento de comunidades locais, cujo conhecimento do território é insubstituível, pode tornar a conservação mais eficaz e socialmente sustentável.
A biodiversidade de Santiago constitui tanto um desafio como uma oportunidade. Encontrar formas de a valorizar - económica, cultural e ecologicamente - enquanto se assegura a sua continuidade, representa uma das tarefas centrais para o futuro da ilha. As respostas não serão simples, mas a conversa sobre como as encontrar é essencial.
A Flora de Santiago: Um Património Biológico em Território Vulnerável
A Ilha de Santiago, centro do arquipélago de Cabo Verde, apresenta uma complexidade botânica que vai muito além da sua função paisagística. A flora desta ilha constitui uma rede de serviços ecossistémicos - retenção de água, proteção do solo, regulação climática - particularmente relevantes num território marcado pela escassez hídrica e vulnerabilidade climática. Compreender e gerir esta vegetação implica reconhecer tanto o seu valor intrínseco como o seu papel na sustentabilidade das comunidades humanas.
O Gradiente Bioclimático: Da Costa às Montanhas
A distribuição da flora em Santiago segue um padrão altimétrico determinado pelos ventos alísios e pela capacidade das montanhas de capturar humidade atmosférica. Este gradiente cria diferentes zonas ecológicas, cada uma com as suas características:
Zonas Costeiras e Áridas (Xerofíticas): Nas cotas baixas, a vegetação adapta-se ao stress hídrico extremo. A Tamareira (Phoenix atlantica), espécie endémica emblemática, coexiste com outras plantas que desempenham funções importantes na estabilização de dunas e solos costeiros, frequentemente subvalorizadas no planeamento territorial.
Zonas de Altitude (Mesofíticas e Higrofíticas): Acima dos 400-500 metros, nas escarpas da Serra da Malagueta (1064m) e do Pico da Antónia (1392m), surgem comunidades vegetais que dependem dos nevoeiros orográficos. Estas áreas funcionam como "ilhas dentro da ilha", concentrando uma diversidade botânica desproporcional à sua área.
Endemismos: Legados Evolutivos Únicos
Santiago alberga espécies que evoluíram em isolamento e não existem em nenhum outro lugar. A sua situação ilustra os dilemas da conservação insular:
Língua-de-vaca (Echium hypertropicum): Arbusto endémico de Santiago e Brava, classificado como "Em Perigo" (EN), ocorre em zonas húmidas onde enfrenta pressão de espécies invasoras e instabilidade geológica.
Marmolano (Sideroxylon marginatum): A única árvore Sapotaceae endémica do arquipélago. Historicamente explorada para madeira e lenha, encontra-se hoje confinada a escarpas inacessíveis. A sua recuperação é lenta e levanta questões sobre prioridades de conservação e alocação de recursos.
Tortolho (Euphorbia tuckeyana): Outrora componente principal da vegetação natural, hoje apresenta populações fragmentadas e classificação de vulnerável.
Carqueja-de-Santiago (Limonium lobinii): Endemismo restrito ao Parque Natural da Serra da Malagueta, cuja conservação depende inteiramente da gestão eficaz desta área protegida.
Outras espécies notáveis incluem a Contra-bruxa-azul (Campanula jacobaea), a Losna (Artemisia gorgonum) e o Mato-boton (Globularia amygdalifolia), todas componentes do mato endémico de altitude.
Pressões e Transformações: Um Sistema sob Stress
A flora de Santiago enfrenta múltiplas pressões que refletem escolhas históricas e contemporâneas de gestão territorial:
1. Espécies Introduzidas e Dinâmicas Ecológicas A introdução histórica de espécies exóticas - frequentemente com objetivos de florestação rápida ou produção de lenha - criou dinâmicas complexas. Espécies como a Lantuna (Lantana camara) e o Carrapato (Furcraea foetida) competem agressivamente com a vegetação nativa, alteram a estrutura dos habitats e aumentam a carga de combustível. O incêndio de abril de 2023 na Serra da Malagueta, que afetou cerca de 200 hectares, evidenciou esta vulnerabilidade e levantou questões sobre estratégias de prevenção e gestão de risco.
2. O Legado das Acacias A presença dominante da Acácia Americana (Prosopis juliflora) e da Leucaena leucocephala em Santiago resulta de decisões que priorizaram cobertura vegetal rápida. Embora estas espécies tenham contribuído para fixação de solos e fornecimento de lenha, a sua predominância atual coloca questões: como equilibrar os benefícios sociais imediatos (lenha, forragem) com os custos ecológicos a longo prazo (supressão da flora nativa, alteração de ciclos de nutrientes)?
3. Usos do Solo e Pressão Territorial A agricultura em encostas, o pastoreio de gado caprino e a exploração de inertes continuam a transformar a paisagem. Estas atividades, fundamentais para a subsistência de muitas comunidades, fragmentam habitats e reduzem a viabilidade de populações de plantas nativas. Como podem ser geridas de forma que sirvam objetivos económicos sem comprometer irreversivelmente a integridade ecológica?
Abordagens de Restauração: Possibilidades e Limitações
Face a estes desafios, várias estratégias têm sido exploradas, cada uma com as suas potencialidades e constrangimentos:
Reflorestação com Espécies Nativas: Projetos como o TREEMAC e o REFLOR-CV demonstram que é tecnicamente viável produzir em viveiros locais espécies como o Marmolano, o Dragoeiro (Dracaena caboverdeana) e o Lantisco (Periploca chevalieri). Contudo, estas iniciativas enfrentam questões de escala, financiamento sustentável e manutenção a longo prazo. Como podem ser integradas em modelos económicos que as tornem viáveis para além de projetos pontuais?
Gestão de Espécies Invasoras: A remoção de Lantana camara e outras invasoras requer recursos consideráveis e continuidade. A experiência mostra que a remoção isolada pode ser insuficiente - o espaço libertado precisa ser rapidamente ocupado por vegetação nativa para evitar re-invasão. Isto levanta questões sobre a sequência e coordenação de intervenções.
Conhecimento e Investigação: Instituições como o INIDA e o Jardim Botânico Nacional Grandvaux Barbosa desenvolvem trabalho fundamental de conservação ex situ e investigação ecológica. Como pode este conhecimento informar mais eficazmente as decisões de gestão territorial?
VIDEO: Lantana camara, uma planta ornamental popular pelas flores coloridas e mutáveis, que atrai borboletas, abelhas e aves, é na realidade uma espécie altamente invasora, nativa da América Central e do Sul. Vendida amplamente em lojas, propaga-se rapidamente através de sementes dispersas por aves, formando densos matagais em mais de 50 países. Cumpre os três critérios de invasora de Classe 1: tóxica para humanos e gado (causando mortes em massa de animais), prejudicial economicamente à agricultura e devastadora ecologicamente, ao competir com plantas nativas, libertar químicos alelopáticos, sombrear plântulas e intensificar incêndios. Mesmo cultivares estéreis apresentam riscos. A recomendação é evitar L. camara e a lantana rastejante, optando por alternativas nativas.
Perspetivas
A flora de Santiago representa tanto um legado evolutivo como um desafio de gestão contemporânea. As escolhas sobre como gerir este património envolvem trade-offs entre diferentes objetivos: conservação da biodiversidade, segurança alimentar, provisão de energia (lenha), desenvolvimento económico, adaptação climática.
Não existem soluções simples ou universais. A experiência de outras ilhas oceânicas sugere que abordagens integradas - que combinem conservação, restauração ecológica, desenvolvimento comunitário e adaptação às alterações climáticas - podem oferecer caminhos mais sustentáveis do que intervenções isoladas.
O diálogo entre conhecimento científico, práticas locais e planeamento territorial será central para encontrar estas soluções. A questão fundamental não é apenas como preservar a flora de Santiago, mas como integrá-la numa visão de desenvolvimento que reconheça a sua centralidade para a resiliência ecológica e social da ilha.
