
Ilha de São Vicente - Mindelo
Mindelo: Um Chá das Cinco no Meio do Atlântico
Sabes, caminhar pelo Mindelo dá-me sempre uma sensação curiosa de "déjà vu", misturada com aquele calor humano que só nós, africanos, sabemos dar. É como se estivéssemos numa encruzilhada do tempo. Deixa-me contar-te porquê, porque a alma de São Vicente não vive só da música e da praia; ela foi forjada no carvão e no mar, numa história que transformou uma ilha quase deserta num centro cosmopolita vibrante.
O Porto Grande: Onde Tudo Começou
Imagina só: até meados do século XIX, esta ilha era praticamente usada apenas para pastagem de cabras vindas de Santo Antão,. Mas tudo mudou por causa de uma dádiva da natureza: o Porto Grande. É uma baía de águas profundas, uma cratera de vulcão submersa que abraça o mar, perfeita para navios de grande porte,.
A grande viragem aconteceu em 1838. Foi nesse ano que os ingleses da East India Company estabeleceram aqui um depósito de carvão,. De repente, Mindelo tornou-se a "bomba de gasolina" do Atlântico! Os navios a vapor que cruzavam o oceano precisavam de reabastecer, e São Vicente era a paragem perfeita,. Isso fez a população explodir e trouxe uma importância económica que a ilha nunca tinha visto,. Lembro-me de ler que, no auge, Mindelo chegou a ser o quarto porto carvoeiro mais movimentado do mundo!.
A Herança Britânica: Golfe e "English Pudding"
Essa presença britânica não foi apenas comercial; ela entranhou-se na cultura local de uma forma fascinante. Caminhando pelas ruas, sentes essa influência na arquitetura e até nos passatempos. Sabias que foram os ingleses que introduziram o golfe, o ténis e o críquete na ilha?,. Ainda hoje, existe um campo de golfe de 18 buracos — mas prepara-te, porque ao contrário dos relvados verdes que vês na TV, aqui joga-se em terra batida, o que é uma experiência única!,.
E há pormenores deliciosos... Os mindelenses adotaram hábitos como o "chá das cinco" e até certos bolos tipo "pudding",. Até na língua sentes isso! O meu amigo Zé, lá do Mindelo, usa expressões que são pura herança inglesa, os chamados anglicismos que ficaram no crioulo local,.
Passeando pela História: O Que Não Podes Perder
Se quiseres sentir esta história na pele, tens de caminhar pela Rua Libertadores de África (a antiga Rua de Lisboa),. É um museu a céu aberto!
- Palácio do Povo: É impossível não parar para admirar este edifício. Antigamente era o Palácio do Governador, construído em estilo colonial (rosa e branco, lindo!) por volta de 1874,,. Hoje, funciona como um centro cultural e espaço de exposições que vale muito a pena espreitar.
- Mercado Municipal: Logo ali perto, tens o Mercado Municipal, construído em 1878,. Ai, amiga, tens de entrar lá! O cheiro das ervas aromáticas, a cor das frutas e o burburinho das vendedoras... é a vida do Mindelo a acontecer à tua frente.
- Torre de Belém: Sim, leste bem! Perto da marina e do mercado de peixe, vais encontrar uma réplica da Torre de Belém de Lisboa,. Foi construída entre 1918 e 1937. Mas esta torre guarda um segredo: lá dentro funciona o Museu do Mar,.
- Dica da Linda: Se tiveres um tempinho, sobe à Torre. A entrada é baratinha, cerca de 200 escudos (menos de 2 euros), e a vista sobre a baía ajuda-te a perceber porque é que os ingleses se apaixonaram por este porto. O museu conta a história dos naufrágios e da vida baleeira, o que é super interessante para entender a relação deste povo com o oceano,.
Ah, e sabes o que é curioso? Apesar de toda esta influência britânica e colonial, Mindelo nunca perdeu a sua alma crioula. É essa mistura, esse "cosmopolitismo insular" que me faz querer voltar sempre.
Quando lá fores, depois de visitares a Torre, senta-te num café ali na marginal, pede uma bebida fresca e imagina a baía cheia de vapores a carvão do século XIX. É de arrepiar!
Beijos, Linda
O Nascimento Teimoso do Mindelo
Olá! Hoje quero convidar-te a fazer uma viagem no tempo comigo, mas vamos esquecer por um momento os ingleses, o golfe e o telégrafo. Vamos recuar até quando São Vicente era apenas vento, silêncio e uma beleza selvagem que metia respeito.
Sabes, muitas vezes olhamos para a nossa cidade cosmopolita e esquecemos que ela nasceu de uma teimosia incrível. Durante séculos, esta ilha foi praticamente ignorada, usada apenas para pastar cabras que vinham de Santo Antão e São Nicolau, ou para a apanha da urzela (aquele líquen que dava tinta),. Mas a história deste "pedacinho de terra" é fascinante, cheia de tentativas, fracassos e renascimentos.
O Refúgio dos Piratas e a "Ilha Deserta"
Imagina só: descoberta no dia 22 de janeiro de 1462 pelo escudeiro Diogo Afonso, São Vicente ficou séculos sem ninguém,. Porquê? Porque não havia água! Mas, ironicamente, a nossa magnífica Baía do Porto Grande, que hoje recebe cruzeiros, servia de esconderijo perfeito para quem não queria ser encontrado.
Lembro-me de ler que piratas, corsários e até frotas de guerra usavam a nossa baía para descansar e planear ataques. Em 1624, por exemplo, uma armada holandesa enorme reuniu-se aqui antes de ir atacar o Brasil,. Era uma terra de ninguém, selvagem e livre.
A Coragem de João Carlos e a Nossa Senhora da Luz
A verdadeira história da nossa gente começa com uma teimosia luso-africana. Em 1795, um comerciante rico da ilha do Fogo, chamado João Carlos da Fonseca Rosado, decidiu que ia povoar São Vicente. Ele trouxe 20 casais e cerca de 50 escravos e fundou a Aldeia de Nossa Senhora da Luz,,.
Podes imaginar a dificuldade? Eles viviam em barracas e cabanas, lutando contra a seca. O pobre João Carlos investiu a fortuna dele e acabou por morrer na miséria, mas foi ele quem plantou a semente. Em 1810, restavam apenas umas 80 pessoas na aldeia,. É uma história de resistência pura!
De D. Rodrigo a Leopoldina: Uma Crise de Identidade
Antes de sermos "Mindelo", tivemos muitos nomes! A aldeia mudou de nome para D. Rodrigo (em homenagem a um ministro português) e, mais tarde, em 1819, chegou um governador chamado António Pusich. Ele olhou para este porto e viu futuro. Trouxe mais 56 famílias de Santo Antão (os nossos vizinhos e irmãos!) e rebatizou a vila de Leopoldina, em honra da imperatriz Maria Leopoldina, esposa de D. Pedro IV,,.
Foi nesta altura, por volta de 1820, que engenheiros desenharam as primeiras plantas do que viria a ser a cidade. Já havia uma igreja, a casa do governador e uma alfândega, tudo muito simples,.
Porquê "Mindelo"? O Batismo Liberal
E aqui chegamos a uma curiosidade que adoro contar! Sabes porque nos chamamos Mindelo? Não é um nome africano, nem inglês. Em 1838, o Marquês de Sá da Bandeira decretou que a povoação se chamasse Mindelo para homenagear o desembarque das tropas liberais de D. Pedro IV nas praias de Mindelo, lá no norte de Portugal,.
A ideia era grandiosa: queriam mudar a capital de Cabo Verde da cidade da Praia para aqui! O Governador Joaquim Pereira Marinho defendia que o nosso ar era mais saudável e o porto superior,,. O plano urbanístico de 1838 desenhou uma cidade a régua e esquadro, com ruas largas e praças, muito antes do "boom" do carvão,. A capital acabou por nunca vir, mas ficou o traçado elegante e a ambição de ser grande.
Um Marco de Liberdade
Há um detalhe que me enche de orgulho: São Vicente foi a primeira ilha de Cabo Verde onde a escravatura foi abolida, em 1857, muito antes da abolição total no império português,. A nossa sociedade construiu-se, assim, com uma base de trabalho livre, com gente vinda de todas as ilhas, especialmente de Santo Antão e São Nicolau, criando esta mistura única que somos hoje,.
Vem descobrir esta alma resistente
Quando caminhares pela Pracinha da Igreja (o berço da cidade) ou olhares para o Fortim d'El Rei (construído em 1852 para nos defender,), lembra-te: Mindelo não é só fruto do carvão inglês. É fruto do suor de gente de todas as ilhas que, contra a falta de água e as dificuldades, decidiu que aqui se podia viver e ser feliz.
Se quiseres, levo-te a dar uma volta pelo centro histórico para te mostrar onde tudo isto começou, muito antes do primeiro vapor apitar na baía.
Com amor e história, Linda 🌍❤️✨
